segunda-feira, 27 de novembro de 2017



Para Sempre Juntos

Quem ama,
Não reclama.
Não repreende,
Compreende.
Nas dores da alma,
Acolhe e acalma.
Nas alegrias,
Só simpatias.
Escuta silencioso
E fala amoroso.
Não há brigas
E nem intrigas.
Juntos vencem as estradas
Como dois camaradas,
Encaram as adversidades
Buscando as verdades
Que irrompem das dúvidas.
E, assim, gozam suas vidas
Pelos caminhos tortuosos
Como cúmplices ardorosos,
Amigos, amantes,
Felizes como dois infantes
De esplendorosa pureza,
Filhos da natureza,
Espargindo o amor
Em todo o seu fulgor.
E sonham com o porvir,
O filho que há de vir!

RAC - 22/05/16










terça-feira, 13 de janeiro de 2015





A Morte no Katha Upanishad





                EM DETERMINADA OCASIÃO, Vajasrabasa, esperando obter um favor divino, executou um ritual que exigia que ele se desfizesse de todos os seus bens. Ele teve o cuidado, porém, de sacrificar somente o seu gado e, dele, somente os animais inúteis - os velhos, os estéreis, os cegos e os aleijados. Ao observar essa avareza, Nachiketa, seu filho mais novo, cujo coração havia recebido a verdade ensinada nas escrituras, disse para si mesmo: "Certamente, um devoto que ousa levar presentes tão inúteis está destinado à total escuridão!" Refletindo assim, dirigiu-se ao pai e falou: "Pai, eu também vos pertenço: para quem me dareis?" Seu pai não respondeu; porém, quando Nachiketa repetiu a pergunta uma e outra vez, ele replicou impacientemente: "Eu vos darei à Morte!"
                Nachiketa disse então para si mesmo: "Sou de fato o melhor dentre os filhos e discípulos de meu pai, ou estou, pelo menos, na categoria intermediária, não na pior; porém, de que valor serei para o Rei da Morte?" Estando, porém, determinado a seguir a palavra do pai, disse: "Pai, não vos arrependais da vossa promessa! Considerai como tem acontecido com aqueles que partiram antes, e como será com aqueles que vivem agora. Como o milho, um homem amadurece e cai ao solo; como o milho, ele brota novamente na estação propícia." Após falar assim, o rapaz viajou para a casa da Morte. Porém o deus não estava em casa, e Nachiketa esperou durante três noites. Quando finalmente o Rei da Morte voltou, seus servos lhe disseram: "Um Brahmin, parecido com uma chama de fogo, chegou à vossa casa como hóspede, e vós não estáveis aqui. Desse modo, uma oblação deverá ser feita a ele. Ó Rei, devereis receber vosso hóspede com todos os rituais costumeiros, pois se o chefe de uma casa não mostrar a devida hospitalidade a um Brahmin, perderá o que mais preza - os méritos das suas boas ações, sua integridade, seus filhos e seu gado." O Rei da Morte, então, aproximou-se de Nachiketa e deu-lhe as boas-vindas com palavras polidas.
                "Ó Brahmin", disse ele, "Eu vos saúdo. Vós sois de fato um hóspede digno de todo respeito. Permiti, eu vos imploro, que nenhum mal caia sobre mim! Passastes três noites em minha casa e não recebestes minha hospitalidade; pedi, portanto, três dádivas - uma para cada noite." "Ó Morte", replicou Nachiketa, "que assim seja. E como primeira dessas dádivas peço que meu pai não fique ansioso a meu respeito, que sua ira se acalme, e que, quando me mandardes de volta, ele me reconheça e me dê as boas-vindas." "Pela minha vontade", declarou a Morte, "vosso pai vos reconhecerá e vos amará como antes; e, ao ver-vos vivo novamente, ficará com a mente tranqüila, e dormirá em paz." 
               Nachiketa então disse: "No céu não há medo de modo algum. Vós, ó Morte, não estais lá, nem naquele lugar onde o pensamento de ficar velho faz com que a pessoa estremeça. Lá, livres da fome e da sede, e longe do alcance da dor, todos rejubilam e são felizes. Vós conheceis, ó Rei, o sacrifício do fogo que leva ao céu. Ensinai-me esse sacrifício, pois estou cheio de fé. Esse é o meu segundo desejo." Consentindo, então, a Morte ensinou ao rapaz o sacrifício do fogo, e todos os rituais e cerimônias que o acompanhavam. Nachiketa repetiu tudo o que havia aprendido, e a Morte, satisfeita com ele, disse: "Vou conceder-vos uma dádiva adicional. A partir de hoje esse sacrifício será denominado Sacrifício Nachiketa, em vossa homenagem. Escolhei agora vossa terceira dádiva." .
               Nachiketa, então, pensou consigo mesmo, e disse: - "Quando um homem morre, há esta dúvida: Alguns dizem que ele existe; outros dizem que ele não existe. Se vós me ensinásseis, eu conheceria a verdade. Esse é o meu terceiro desejo." "Não", replicou a Morte, "mesmo os deuses certa vez ficaram intrigados com esse mistério. A verdade com relação a isso é realmente sutil, não é fácil de ser compreendida. Escolhe alguma outra dádiva, Ó Nachiketa."
                Porém, Nachiketa não quis aceitar a recusa. "Vós dizeis, Ó Morte, que mesmo os deuses certa vez estiveram intrigados com esse mistério, e que ele não é fácil de ser compreendido. Certamente, não há melhor mestre para explicá-lo do que vós - e não existe outra dádiva igual a essa." O deus replicou, mais uma vez tentando Nachiketa: "Pedi filhos e netos que viverão cem anos. Pedi gado, elefantes, cavalo, ouro. Escolhe para vós um poderoso reino. Ou, se não puderdes imaginar algo melhor, pedi isto: não apenas doces prazeres, mas também o poder, além de qualquer pensamento, para experimentar sua doçura. Sim, verdadeiramente, farei de vós o supremo desfrutador de todas as coisas boas. Donzelas celestiais, de beleza excepcional, que não foram destinadas a mortais - mesmo essas, com suas carruagens e seus instrumentos musicais, eu vos darei, para vos servirem. Não me peçais, porém, Ó Nachiketa, o mistério da morte!".
                Nachiketa, contudo, manteve-se firme e disse: "Essas coisas durarão somente até o dia seguinte, Ó Destruidor da Vida, e os prazeres que elas conferem desgastam os sentidos. Ficai, portanto, com os cavalos e as carruagens, com a dança e a música, para vós mesmo! Como poderá desejar a riqueza, Ó Morte, aquele que uma vez já viu a vossa face? Não, apenas a dádiva que escolhi - somente isso eu peço. Tendo descoberto a companhia do imperecível e do imortal, como quando vos conheci, como poderei eu, sujeito à decadência e à morte, e conhecendo bem a vaidade da carne - como poderei desejar vida longa? "Contai-me, Ó Rei, o supremo segredo com relação ao qual os homens mantêm dúvidas.
                 Não solicitarei qualquer outra dádiva." Com o que, o Rei da Morte, bem satisfeito em seu coração, começou a ensinar a Nachiketa o segredo da imortalidade. O Rei da Morte; O bem é uma coisa; o prazer é outra. Esses dois, diferindo em seus propósitos, incitam à ação. Abençoados são aqueles que escolhem o bem; aqueles que escolhem o prazer não atingem o objetivo. Tanto o bem como o prazer se apresentam ao homem. Os sábios, após examinarem ambos, distinguem um do outro. Os sábios preferem o bem ao prazer; os tolos, levados por desejos carnais, preferem o prazer ao bem. Vós, Ó Nachiketa, após haverdes observado os desejos carnais, agradáveis aos sentidos, renunciastes a todos eles. Vós vos desviastes do caminho lamacento no qual muitos homens se atolam. Distantes um do outro, e levando a diferentes desígnios, encontram-se a ignorância e o conhecimento. Eu vos considero, Ó Nachiketa, como alguém que anseia pelo conhecimento, pois uma infinidade de objetos agradáveis foram incapazes de tentar-vos. Vivendo no abismo da ignorância, embora julgando-se sábios, tolos iludidos dão voltas e voltas, cegos levados por cegos. Ao jovem irrefletido, enganado pela vaidade das posses terrenas, não é mostrado o caminho que leva à morada eterna. Somente este mundo é real: não existe depois - pensando assim, ele cai uma e outra vez, nascimento após nascimento, dentro das minhas mandíbulas. A muitos não é concedido ouvir sobre o Eu. Muitos, embora ouçam a respeito dele, não o compreendem. Maravilhoso é aquele que fala a respeito do Eu. Inteligente é aquele que aprende a respeito do Eu. Abençoado é aquele que, tendo aprendido com um bom mestre, é capaz de compreendê-lo. A verdade do Eu não pode ser completamente compreendida quando ensinada por um homem ignorante, pois as opiniões a respeito dele, não fundamentadas no conhecimento, variam de um para outro. Mais sutil do que o mais sutil é esse Eu, e além de toda lógica. Ensinado por um mestre que saiba que o Eu e Brahman são um só, um homem deixa para trás a vã teoria e atinge a verdade. O despertar que conhecestes não vem do intelecto, e sim, totalmente, dos lábios dos sábios. Bem-amado Nachiketa, abençoado, abençoado sois vós, porque procurais o Eterno. Quisera eu ter mais discípulos como vós! Bem sei que os tesouros terrestres duram pouco. Pois não fiz eu mesmo, desejando ser o Deus da Morte, o sacrifício com o fogo? O sacrifício, porém, foi uma coisa efêmera, realizada com objetos fugazes, e pequena é minha recompensa, considerando que meu reino só durará por um momento. A finalidade do desejo mundano, os objetos fulgurantes que todos os homens almejam, os prazeres celestiais que esperam obter através de rituais religiosos - tudo isso esteve ao vosso alcance. Porém, a tudo isso renunciastes, com firme resolução. O antigo, fulgurante ser, o Espírito que habita interiormente, sutil, profundamente oculto no lótus do coração, é difícil de ser conhecido. Porém, o homem sábio, que segue o caminho da meditação, conhece-o, e se torna liberto tanto do prazer como da dor. O homem que aprendeu que o Eu está separado do corpo, dos sentidos e da mente, e que o conheceu por completo, a alma da verdade, o princípio sutil - tal homem verdadeiramente o alcança, e se torna extremamente satisfeito, pois encontrou a fonte e o local onde habita toda a felicidade. Verdadeiramente acredito, Ó Nachiketa, que as portas da felicidade estão abertas para vós. Nachiketa; 
                 Ensinai-me, Ó Rei, eu vos suplico, o que sabeis estar além do certo e do errado, além da causa e do efeito, além do passado, do presente e do futuro. 
                O Rei da Morte -  Do objetivo que todos os Vedas proclamam, o qual está implícito em todas as penitências, e em busca do qual homens levam vidas de continência e de serviço, dele falarei sucintamente. Ele é - OM. Esta sílaba é Brahman. Esta sílaba é de fato suprema. Aquele que a conhece realiza o seu desejo. Ela é o apoio mais forte. É o símbolo mais elevado. Aquele que a conhece é reverenciado como um conhecedor de Brahman. O Eu, cujo símbolo é OM, é Deus onisciente. Ele não nasce. Ele não morre. Ele não é nem causa nem efeito. Esse Ser Antigo não nasceu, é eterno, imperecível; embora o corpo seja destruído, ele não é aniquilado. Se o assassino pensa que ele mata, se o assassinado crê que ele é morto, nenhum dos dois conhece a verdade. O Eu não mata nem é morto. Menor do que o menor, maior do que o maior, esse Eu habita para sempre dentro dos corações de todos. Quando um homem está livre de desejos, com sua mente e seus sentidos purificados, ele contempla a glória do Eu e está sem sofrimento. Apesar de sentado, ele viaja para longe; embora descansando, ele move todas as coisas. Quem, a não ser o mais puro dos puros, pode perceber esse Ser Fulgurante, que é a felicidade e que está além da felicidade? Ele não possui forma, embora habite a forma. No meio do transitório, ele permanece perene. O Eu é supremo e tudo permeia. O homem sábio, conhecendo-o em sua verdadeira natureza, transcende toda dor. O Eu não é conhecido através do estudo das escrituras, nem através da sutileza do intelecto, nem através de muito aprendizado. Mas é conhecido por aquele que anseia por ele. O Eu revela verdadeiramente a ele o seu genuíno ser. Um homem não poderá conhecê-lo através do aprendizado, se não desistir do mal, se não controlar seus sentidos, se não acalmar sua mente, e se não praticar a meditação. Para ele os Brahmins e os Kshatriyas são apenas alimento, e a morte é em si um condimento. Tanto o eu individual como o Eu Universal penetraram na caverna do coração, o domicílio do Mais Alto, porém os conhecedores de Brahman e os chefes de família que realizam os sacrifícios do fogo enxergam a diferença entre eles como entre a luz do Sol e a sombra. Possamos realizar o Sacrifício Nachiketa, que transpõe o mundo do sofrimento. Possamos conhecer o imperecível Brahman, que nada teme, e que é o objetivo e o refúgio daqueles que procuram a liberação. Sabei que o Eu é o cavaleiro, e que o corpo é a carruagem; que o intelecto é o cocheiro, e que a mente são as rédeas. Os sentidos, dizem os sábios, são os cavalos; as estradas por onde passam são os labirintos do desejo. Os sábios consideram o Eu como aquele que se deleita quando está unido ao corpo, aos sentidos e à mente. Quando um homem não possui discernimento e sua mente está desgovernada, seus sentidos são incontroláveis, como os cavalos rebeldes de um cocheiro. Porém, quando um homem possui discernimento e sua mente está controlada, seus sentidos, como os cavalos bem-domados de um cocheiro, obedecem alegremente às rédeas. Aquele que não possui discernimento, cuja mente está instável e cujo coração está impuro, nunca alcança o objetivo, e nasce sempre de novo. Mas aquele que possui discernimento, cuja mente está firme e cujo coração é puro, atinge a meta e, após tê-la alcançado, não nasce nunca mais. O homem que possui um entendimento sólido como cocheiro, uma mente controlada como rédeas - ele é que atinge o final da jornada, a morada suprema de Vishnu, o que tudo permeia. Os sentidos originam-se dos objetos físicos, os objetos físicos, da mente; a mente, do intelecto; o intelecto, do ego; o ego, da semente não-manifestada; e a semente não-manifestada, de Brahman - a Causa sem Causa. Brahman é o fim da jornada. Brahman é a meta suprema. Esse Brahman, esse Eu, profundamente oculto em todos os seres, não é revelado a todos; mas àqueles que vêem, puros de coração, de mente concentrada - a eles é revelado. Os sentidos do homem sábio obedecem à sua mente; sua mente obedece ao seu intelecto; seu intelecto obedece ao seu ego; e seu ego obedece ao Eu. Acordai! Acordai! Aproximai-vos dos pés do Mestre e conhecei AQUELE. O caminho é como a lâmina afiada de uma navalha, dizem os sábios. É estreito e difícil de trilhar! Sem som, sem forma, intangível, imperecível, sem gosto, sem cheiro, eterno, sem começo, sem fim, imutável, além da Natureza, assim é o Eu. Quem o conhece como tal está livre da morte. 
             O Narrador -  O homem sábio, tendo escutado e aprendido a verdade eterna revelada a Nachiketa pelo Rei da Morte, é glorificado no céu de Brahman.  Aquele que canta com devoção esse segredo supremo na assembléia dos Brahmins é recompensado com dádivas imensuráveis! 
             O Rei da Morte -O Auto-existente fez com que os sentidos se voltassem para fora. Conseqüentemente, o homem olha para o exterior, e não vê o que está no interior. Raro é aquele que, ansiando pela imortalidade, fecha os olhos para o exterior e contempla o Eu. Os tolos seguem os desejos da carne e caem na armadilha da morte que tudo abrange; porém os sábios, sabendo que o Eu é eterno, não procuram as coisas transitórias. Aquele através de quem o homem vê, saboreia, cheira, ouve, sente e tem prazer é o Senhor onisciente. Ele é, verdadeiramente, o Eu imortal. Quem o conhece, conhece todas as coisas. Aquele através de quem o homem vivencia os estados de sono ou de vigília é o Eu que tudo permeia. Quem o conhece não sofre mais. Aquele que sabe que a alma individual, que aproveita os frutos da ação, é o Eu - que está sempre presente interiormente, senhor do tempo, do passado e do futuro - expulsa de si todo o medo. Pois esse Eu é o Eu imortal. Aquele que vê o Que-Nasceu-Primeiro - nascido da mente de Brahman, nascido antes da criação das águas - e o vê habitando o lótus do coração, vivendo entre elementos físicos, efetivamente vê Brahman. Pois esse Que-Nasceu-Primeiro é o Eu imortal. Aquele ser que é o poder de todos os poderes, e que nasceu como tal, que se incorpora nos elementos e existe nestes, e que penetrou no lótus do coração, é o Eu imortal. Agni, o que tudo vê, o que se esconde nos gravetos, como uma criança bem-protegida no útero, que é venerado diariamente por almas despertas, e por aqueles que oferecem oblações no fogo do sacrifício - ele é o Eu imortal. Aquele no qual o Sol se levanta e no qual se põe, aquele que é a fonte do todos os poderes da Natureza e dos sentidos, aquele que não pode ser transcendido por nada - esse é o Eu imortal. O que está dentro de nós também está fora de nós. O que está fora também está dentro. Aquele que vê diferença entre o que está dentro e o que está fora segue eternamente de morte para morte. Brahman só pode ser alcançado pela mente purificada. Apenas Brahman é - nada mais é. Aquele que vê o universo múltiplo, e não a única realidade, segue eternamente de morte para morte. Aquele ser, do tamanho de um polegar, habita profundamente dentro do coração. Ele é o senhor do tempo, do passado e do futuro. Quem o alcança nada mais teme. Verdadeiramente, ele é o Eu imortal. Aquele ser, do tamanho de um polegar, é como uma chama sem fumaça. Ele é o senhor do tempo, do passado e do futuro, o mesmo hoje e amanhã. Verdadeiramente, ele é o Eu imortal. Como a chuva que cai numa colina, com torrentes descendo pelo lado, assim corre aquele que depois de muitos nascimentos vê a multiplicidade do Eu. Como a água pura derramada dentro da água pura permanece pura, assim o Eu permanece puro, Ó Nachiketa, ao se unir com Brahman. Ao Não-Nascido, cuja luz da consciência brilha para sempre, pertence à cidade de onze portões. Aquele que medita sobre o governante dessa cidade não conhece mais sofrimento. Ele atinge a liberação, e para ele não pode mais haver nascimento ou morte. Pois o governante dessa cidade é o Eu imortal. O Eu imortal é o Sol que brilha no céu, é a brisa que sopra no espaço, é o fogo que queima no altar, é o hóspede que habita a casa; ele está em todos os homens, está nos deuses, está no éter, está onde quer que esteja a verdade; ele é o peixe que nasce na água, é a planta que cresce no solo, é o rio que jorra da montanha - ele, a realidade imutável, o ilimitável! Ele, o adorável, instalado no coração, é o poder que dá o sopro vital. Todos os sentidos o homenageiam. O que pode permanecer quando o habitante desse corpo abandona a concha grande demais, já que ele é, verdadeiramente, o Eu imortal? O homem não vive apenas do sopro vital e, sim, daquele dentro do qual está o poder do sopro vital. E agora, Ó Nachiketa, eu lhe falarei a respeito do que não pode ser visto, o Brahman eterno, e do que acontece com o Eu depois da morte. Dentre aqueles que ignoram o Eu, alguns entram em seres que possuem ventre, outros entram em plantas - de acordo com suas ações e com o crescimento de suas inteligências. Aquele que está desperto em nós mesmo enquanto dormimos, moldando em sonho os objetos do nosso desejo - esse é realmente puro, esse é Brahman, e esse verdadeiramente é chamado o Imortal. Todos os mundos têm seus seres nele, e ninguém pode transcendê-lo. Esse é o Eu. Assim como o fogo, apesar de ser único, toma a forma de todos os objetos que consome, também o Eu, embora único, toma a forma de todos os objetos que habita. Assim como o Sol, que revela todos os objetos àquele que vê, não é atingido pelo olho pecador, nem pelas impurezas dos objetos que fita, também o Eu único, habitando em tudo, não é tocado pelos males do mundo. Pois ele transcende tudo. Ele é único, o senhor e o mais profundo Eu de tudo; a partir de uma forma ele faz de si mesmo muitas formas. Àquele que vê o Eu revelado em seu próprio coração pertence a eterna bem-aventurança - a ninguém mais, a ninguém mais! Inteligência do inteligente, eterno entre o que é transitório, ele, embora único, torna possível os desejos de muitos. Àquele que vê o Eu revelado em seu próprio coração pertence a paz eterna - e a ninguém mais, a ninguém mais!.
                 Nachiketa -  De que modo, Ó Rei, encontrarei esse bem-aventurado Eu, supremo, inexprimível, que é alcançado pelos sábios? Ele brilha por si mesmo ou reflete a luz de outrem? 
                 O Rei da Morte  - Ele não é iluminado pelo Sol, nem pela Lua, nem pelas estrelas, nem pelo relâmpago - nem, verdadeiramente, pelo fogo aceso na Terra. Ele é a única luz que fornece luz para tudo. Brilhando ele, tudo brilha. Este Universo é uma árvore que existe eternamente, com suas raízes voltadas para cima e seus galhos espalhados embaixo. A raiz pura da árvore é Brahman, o imortal, em quem os três mundos têm sua existência, a quem ninguém pode transcender, que é verdadeiramente o Eu. Todo o Universo veio de Brahman e se move em Brahman. Poderoso e terrível é ele, semelhante ao trovão que explode nos céus. Para os que o alcançam a morte não contém terror. Com medo dele o fogo queima, o Sol brilha, a chuva cai, os ventos sopram, e a morte mata. Se um homem falha em alcançar Brahman antes de abandonar o corpo, terá novamente de colocar um corpo no mundo das coisas criadas. Na alma de uma pessoa, Brahman é percebido claramente, como se fosse visto num espelho. Também no céu de Brahman, Brahman é claramente percebido, do mesmo modo como uma pessoa distingue a luz da escuridão. No mundo dos pais ele é contemplado como num sonho. No mundo dos anjos ele aparece como se estivesse refletido na água. Os sentidos têm origens separadas nos seus diversos objetos. Eles podem estar ativos, como no estado de vigília, ou podem estar inativos, como no sono. Aquele que sabe que eles são distintos do Eu imutável não sofre mais. Acima dos sentidos está a mente. Acima da mente está o intelecto. Acima do intelecto está o ego. Acima do ego está a semente não-manifestada, a Causa Primordial. Verdadeiramente, além da semente não-manifestada está Brahman, o espírito que tudo permeia, o incondicionado, e quem o conhece obtém a liberdade e alcança a imortalidade. Ninguém o contempla com os olhos, pois ele não tem forma visível. Porém, no coração, ele é revelado pelo autocontrole e pela meditação. Os que o conhecem se tornam imortais. Quando todos os sentidos estão imóveis, quando a mente está em repouso, quando o intelecto não treme - esse, dizem os sábios, é o estado mais elevado. Essa serenidade dos sentidos e da mente foi definida como ioga. Aquele que a obtém liberta-se da ilusão. Naquele que não está livre da ilusão essa serenidade é incerta, irreal: ela vem e vai. As palavras não podem revelar Brahman, a mente não pode alcançá-lo, os olhos não podem vê-lo. Como, então, a não ser através daqueles que o conhecem, pode ele ser conhecido? Existem dois eus, o Eu aparente e o Eu verdadeiro. Desses dois, é o Eu verdadeiro, e somente ele, que deve ser sentido como realmente existindo. Ao homem que o sentiu como realmente existindo ele revela sua mais profunda natureza. O mortal em cujo coração o desejo está morto toma-se imortal. O mortal em cujo coração os nós da ignorância são desatados torna-se imortal. Essas são as verdades mais elevadas ensinadas nas escrituras. Existem cento e um nervos que se irradiam do lótus do coração. Desses nervos ascende o lótus de mil pétalas do cérebro. Se, quando um homem morre, sua força vital subir e passar através desse nervo, ele atinge a imortalidade; porém, se sua força vital passar através de outro nervo, ele vai para outro plano de existência, e permanece sujeito ao nascimento e â morte. A Pessoa Suprema, do tamanho de um polegar, o Eu mais profundo, habita para sempre os corações de todos os seres. Como extraímos a seiva da cana, assim deve o aspirante à verdade, com grande perseverança, separar o Eu do corpo. Sabei que o Eu é puro e imortal - sim, puro e imortal! "
O Narrador  - Tendo aprendido do deus esse conhecimento e todo o processo da ioga, Nachiketa foi libertado das impurezas e da morte, e se uniu a Brahman. Assim também será com outro se ele conhecer o Eu mais profundo. (Do livro “100  Textos de História Asiática - Índia-China”)

domingo, 11 de janeiro de 2015

Lições de Chefe Samoano

 Como pode o homem querer ser dono das montanhas, do sol, do ar, 
das aves, dos animais, dos mares e da vegetação? (foto Lucky de Oliveira) 


          O Papalagui (homem branco) pensa de modo estranho e muito confuso. Está sempre pensando de que maneira uma coisa pode lhe ser útil, de que forma lhe dá algum direito. Não pensa quase nunca em todos os homens, mas num só, que é ele mesmo.
          Quem diz: “Minha cabeça é minha, não é de mais ninguém”, está certo, está realmente certo, ninguém pode negar. Ninguém tem mais direito à sua própria mão do que aquele que tem a mão. Até aí dou razão ao Papalagui. Mas é que ele também diz: A palmeira é minha”, só porque ela está na frente de sua cabana. É como se ele próprio tivesse mandado a palmeira crescer. Mas a palmeira nunca é dele: nunca. A palmeira é a mão que Deus nos estende de sob a terra. Deus tem muitas mãos, muitas mesmo. Toda árvore, toda flor, toda grama, o mar, o céu, as nuvens que o cobrem, tudo isso sãos de Deus. Podemos pegá-las e nos alegrar, mas não podemos dizer: “A mão de Deus é minha mão”. É o que, no entanto, diz o Papalagui.
           “Eau” em nossa língua quer dizer “meu" e também “teu”. É quase a mesma coisa. Mas na língua do Papalagui quase não existem palavras que signifiquem coisas mais diversas do que “meu” e “teu”. Meu é apenas, e nada mais, o que me pertence; teu é só, e nada mais, o que te pertence. É por isto que o Papalagui diz de tudo quanto existe por perto de sua cabana: “É meu”. Ninguém tem direito a essas coisas, senão ele. Se fores à terra do Papalagui e  vires, uma fruta, uma árvore, água, bosque, montinho de terra, hás de ver sempre perto alguém que diz: “Isto é meu! Não pegues no que é meu!”. Mas se pegares, te chamarão de gatuno, o que é uma vergonha muito grande, e só porque ousastes tocar num “meu” do teu próximo. Os amigos deles, os servos dos chefes mais importantes te põem correntes, te levam para o “fale pui pui” (prisão), e serás banido pela vida inteira. 
          Para ninguém pegar em coisas que o outro declarou como suas, determina-se com exatidão, por meio de leis, o que te pertence e o que não pertence a outra pessoa. E existem, na Europa, homens que mais não fazem do que impedir que estas leis sejam violadas, ou seja, impedir que se tire do Papalagui aquilo que pegou para si. Desta forma, o Papalagui quer dar a impressão de que, realmente, garantiu um direito, como se fosse Deus quem lhe tivesse definitivamente cedido o que tem; como se, de fato, pertencesse a ele e não a Deus, a palmeira, a árvores, a flor, o mar, o céu com suas nuvens.
           Papalagui precisa fazer leis assim e precisa ter quem lhe guarde os muitos “meus” que tem, para que aqueles que não tem nenhum ou tem pouco “meu” nada lhe tirem do seu “meu”. De fato, enquanto há muitos pegando muitas coisas para si, há também muitos que nada tem nas mãos. Nem todos sabem os segredos, os sinais misteriosos com os quais se consegue ter muitas coisas; é necessário que se tenha uma coragem especial, quem sempre se concilia com o que chamamos “honra”. Até pode ser que aqueles que pouco tem nas mãos (porque não querem ofender a Deus, por que não tiram nada) sejam os melhores de todos os Papalagui. Mas são poucos, certamente. Quase todos furtam de Deus sem sentir vergonha. Nem sabem fazer outra coisa. Nem sabem,muitas vezes, que estão fazendo mal porque todos fazem a mesma coisa, e nem pensam nisso. E nem se envergonham.       
          Há uns que recebem o seu “meu” (e é muito) das mãos do pai, no momento que nascem. Em todo caso Deus quase nada mais tem, os homens lhe tiraram quase tudo, tudo transformaram em “meu” e “teu”. Deus já não pode repartir igualmente a todos o seu Sol, que feito para todos, porque hás uns que dele gozam mais que os outros...( ) 
          Se pensasse direito, o Papalagui saberia que coisa alguma que não sejamos capazes de segurar nos pertence; saberia que, no fundo nada há que possamos segurar. E também veria que se Deus nos deu a sua grande casa é para que todos nela encontrassem lugar e alegria. E ela é bastante grande, tem para todos um lugarzinho claro, uma alegriazinha; para todos existe certamente onde ficar debaixo da palmeira, um lugar onde colocar os pés, onde parar. Como é que Deus havia de esquecer um dos seus filhos! E, no entanto, há tantos que procuram um lugarzinho que Deus lhe destinou! 
         O Papalagui não ouve o mandamento de Deus e se dá o direito de fazer suas próprias leis; por isto é que Deus lhe manda muitos inimigos da propriedade. Manda-lhe a umidade e o calor para destruir o seu “meu”, manda-lhe a velhice, deixa que ele se desfaça, que apodreça. E mais ainda: dá o fogo e à tempestade o poder de destruir-lhe os tesouros. Principalmente, no entanto, põe-lhe na alma o medo, medo de perder aquilo que se apossou. O sono do Papalagui nunca é de fato profundo: precisa estar sempre de vigília para que não lhe seja tirado, de noite, o que juntou durante o dia. O Papalagui precisa estar sempre com as mãos e o pensamento segurando o que é “meu”. E como o “meu” o atormenta, sem parar, escarnecendo-o e dizendo-lhe: “Já que tiraste de Deus, castigo-te, mando-te todos os sofrimentos”! 
           Mas castigo muito pior do que o medo Deus impôs ao Papalagui. Impôs-lhe a luta entre os que só tem um pequeno “meu” ou nenhum, e os que se apossaram de um grande “meu”. É luta acesa, dura, que persiste dia e noite; luta que todos tem que aturar, que a todos corrói a alegria de viver. Os que tem são obrigados a dar, mas coisa alguma dão; os que nada tem querem ter, mas coisa alguma ganham. Também estes são raramente animados pelo zelo divino: e que chegaram cedo ou tarde demais para roubar, ou foram por demais inábeis, ou não tiveram oportunidade. São pouquíssimos os que pensam que Deus é quem foi roubado. E é raro ouvirem a voz do homem justo, que manda devolver tudo a Deus... 
           Ó irmãos, que é que pensais do homem cuja cabana é tão grande que dá para uma aldeia inteira e que não oferece ao viajante seu teto por uma noite? Que é que pensais do homem que tem um cacho de banana nãos mãos e não dá uma fruta a quem, faminto, lhe pede? Vejo a zanga nos vossos olhos, o maior desprezo nos vossos lábios. E vede, é isso que o Papalagui faz a todo o momento. E mesmo que tenha cem esteiras nenhuma dá ao que nenhuma tem. Pelo contrário, acusa-o e censura-o por não ter. Pode estar com a cabana cheia de mantimentos até o alto, muito mais que ele e sua família comem em 100 anos. Não sairá à procura dos que não tem o que comer, dos que estão pálidos de fome. E há muitos Papalaguis pálidos de fome...( ) 
           Mas o Papalagui não sabe que Deus lhe deu a palmeira, a banana, o “taro” (alimento) precioso, todas as aves do bosque, todos os peixes do mar, para todos nós usufruirmos e sermos felizes; para todos e não apenas uns poucos dentre nós, enquanto outros morrem de fome e passam dificuldades. Se Deus colocou muitos bens na mão de um homem foi para que repartisse com seu irmão; senão a fruta apodrece em sua mão. Deus estende a todos os homens as muitas mãos que tem e não quer que uns tenham mais do que os outros; nem que alguns digam: “O sol é para mim; a sombra para ti”. O sol é para todos nós. Se tudo estiver na mão justa de Deus, não haverá luta, nem miséria. 
           O Papalagui, este astuto, quer nos convencer de que nada a Deus pertence; pertence a cada um aquilo que consiga segurar na mão. Tapemos os ouvidos a quem diz estas sandices e pratiquemos a boa sabedoria: “ A Deus tudo pertence”! 



(*) Este texto foi extraído do livro ‘O Palagui – Comentários de Tuiávii, chefe da tribo Tiavéis, nos mares do Sul” reunidos pelo alemão Erich Scheurmann e transformado num pequeno e maravilhoso livro e publicado no Brasil pela editora Marco Zero. O modo de vida simples e desapegado deste povo, entretanto, está cada vez mais raro e mais difícil no Planeta em função do sistema capitalista, que só entende a linguagem do “meu” e do “teu”, nunca o “nosso”. Essa sabedoria samoana, presente em diversas culturas autóctenes, também está contida em todos os textos sagrados de que se tem notícia e é uma das máxima do Grande Mestre, Jesus: “Amai a Deus sobre todas as coisas, amai a si mesmo e ao próximo!”.

Uma visão budista, sobre a natureza humana,  no          Samyutta Nikaya

Constata-se que existem no mundo quatro tipos de indivíduos. Quais são? Há os sombrios, que caminham para as trevas, os sombrios que caminham para a claridade; os claros que caminham para as trevas, os claros que caminham para a claridade. Qual é aquele que é sombrio, que caminha para as trevas? É, por exemplo, o homem nascido numa família humilde; ele é pobre, mal nutrido, vivendo numa condição miserável, aflito, disforme. Sua conduta do corpo, de palavra e de pensamento é má, de modo que quando da decomposição de seu corpo após a morte ele surge no Abismo, o Mau Destino, a Queda. É como se o ser caminhasse de cegueira em cegueira, das trevas a outras trevas, de uma mancha de sangue a outra. Qual é aquele que é sombrio, e que caminha para a claridade? É, por exemplo, aquele que é nascido nas condições más que acabo de dizer, mas cuja conduta de corpo, de palavra e de pensamento é boa, de modo que quando da decomposição de seu corpo após a morte ele surge num Bom Destino, num mundo celeste. É como se o ser se elevasse do solo num palanquim, do palanquim ao dorso de um cavalo, do dorso do cavalo ao dorso de um elefante ou do elefante sobre um terraço. Qual é aquele que é claro, mas que caminha para as trevas? É, por exemplo, aquele que nasceu numa família de elevada estirpe, muito rica, e com tudo que pode assegurar o prazer. Mas sua conduta de corpo, de palavra e de pensamento é mau, de sorte que quando da decomposição de seu corpo após a morte, ele surge no Abismo, o Mau Destino, a Queda. É como se o ser descesse de um terraço sobre um elefante, do dorso do elefante ao dorso do cavalo, daí em um palanquim e do palanquim a terra. Qual é aquele que é claro e que caminha para a claridade? É por exemplo, aquele que nasceu nas circunstâncias felizes que eu acabo de dizer e cuja conduta de corpo, de palavra e de pensamento é boa, de modo que quando da decomposição de seu corpo após a morte, ele surge num Bom Destino, e num mundo celeste. É como se o ser passasse de um palanquim a um outro, de um cavalo a outro cavalo, de um elefante a um outro elefante, de um terraço a outro terraço. É por esta imagem que eu descrevo este tipo de indivíduo.